A Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em São
Paulo, no Teatro Municipal, de 11 a 18 de fevereiro, teve como principal
propósito renovar, transformar o contexto artístico e cultural urbano,
tanto na literatura, quanto nas artes plásticas, na arquitetura e na
música. Mudar, subverter uma produção artística, criar uma arte
essencialmente brasileira, embora em sintonia com as novas tendências
européias, essa era basicamente a intenção dos modernistas.
Durante uma semana a cidade entrou em plena ebulição cultural, sob a
inspiração de novas linguagens, de experiências artísticas, de uma
liberdade criadora sem igual, com o conseqüente rompimento com o
passado. Novos conceitos foram difundidos e despontaram talentos como os
de Mário e Oswald de Andrade na literatura, Víctor Brecheret na escultura e Anita Malfatti na pintura.
O movimento modernista eclodiu em um contexto repleto de agitações
políticas, sociais, econômicas e culturais. Em meio a este redemoinho
histórico surgiram as vanguardas artísticas e linguagens liberadas de
regras e de disciplinas. A Semana, como toda inovação, não foi bem
acolhida pelos tradicionais paulistas, e a crítica não poupou esforços
para destruir suas idéias, em plena vigência da República Velha,
encabeçada por oligarcas do café e da política conservadora que então
dominava o cenário brasileiro. A elite, habituada aos modelos estéticos
europeus mais arcaicos, sentiu-se violentada em sua sensibilidade e
afrontada em suas preferências artísticas.
A nova geração intelectual brasileira sentiu a necessidade de
transformar os antigos conceitos do século XIX. Embora o principal
centro de insatisfação estética seja, nesta época, a literatura,
particularmente a poesia, movimentos como o Futurismo, o Cubismo e o Expressionismo
começavam a influenciar os artistas brasileiros. Anita Malfatti trazia
da Europa, em sua bagagem, experiências vanguardistas que marcaram
intensamente o trabalho desta jovem, que em 1917 realizou a que ficou
conhecida como a primeira exposição do Modernismo brasileiro. Este
evento foi alvo de escândalo e de críticas ferozes de Monteiro Lobato,
provocando assim o nascimento da Semana de Arte Moderna.
O catálogo da Semana apresenta nomes como os de Anita Malfatti, Di
Cavalcanti, Yan de Almeida Prado, John Graz, Oswaldo Goeldi, entre
outros, na Pintura e no Desenho; Victor Brecheret, Hildegardo Leão
Velloso e Wilhelm Haarberg, na Escultura; Antonio Garcia Moya e Georg
Przyrembel, na Arquitetura. Entre os escritores encontravam-se Mário e
Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Sérgio Milliet, Plínio Salgado, e
outros mais. A música estava representada por autores consagrados, como
Villa-Lobos, Guiomar Novais, Ernani Braga e Frutuoso Viana.
Em 1913, sementes do Modernismo já estavam sendo cultivadas. O pintor Lasar Segall,
vindo recentemente da Alemanha, realizara exposições em São Paulo e em
Campinas, recepcionadas com uma certa indiferença. Segall retornou então
à Alemanha e só voltou ao Brasil dez anos depois, em um momento bem
mais propício. A mostra de Anita Malfatti, que desencadeou a Semana,
apesar da violenta crítica recebida, reunir ao seu redor artistas
dispostos a empreender uma luta pela renovação artística brasileira. A
exposição de artes plásticas da Semana de Arte Moderna foi organizada
por Di Cavalcanti e Rubens Borba de Morais e contou também com a
colaboração de Ronald de Carvalho, do Rio de Janeiro. Após a realização
da Semana, alguns dos artistas mais importantes retornaram para a
Europa, enfraquecendo o movimento, mas produtores artísticos como
Tarsila do Amaral, grande pintora modernista, faziam o caminho inverso,
enriquecendo as artes plásticas brasileiras.
A Semana não foi tão importante no seu contexto temporal, mas o tempo
a presenteou com um valor histórico e cultural talvez inimaginável
naquela época. Não havia entre seus participantes uma coletânea de
idéias comum a todos, por isso ela se dividiu em diversas tendências
diferentes, todas pleiteando a mesma herança, entre elas o Movimento
Pau-Brasil, o Movimento Verde-Amarelo e Grupo da Anta, e o Movimento Antropofágico. Os principais meios de divulgação destes novos ideais eram a Revista Klaxon e a Revista de Antropofagia.
O principal legado da Semana de Arte Moderna foi libertar a arte
brasileira da reprodução nada criativa de padrões europeus, e dar início
à construção de uma cultura essencialmente nacional.
Semana de Arte Moderna – Um dos principais eventos da história da arte no Brasil
Falar sobre os artistas da Arte ModernaSemana de Arte Moderna, ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922. significa falar sobre o maior evento que marcou a história da arte brasileira. Tal evento, conhecido como a
Partindo dessa data (1922), começamos a compreender os reais propósitos
firmados mediante o histórico acontecimento. Afinal, por que 1922? Essa
é a data em que o Brasil comemorou seu primeiro centenário da
Independência, embora essa independência em nada tenha transformado os
planos político, econômico ou cultural. Dessa forma, desde o período que
antecedeu a Semana de 1922, conhecido como Pré-Modernismo, houve uma
reação por parte da classe artística em revelar um Brasil visto sob o
plano real, longe do idealismo pregado pela era romântica. Um Brasil dos
marginalizados, indo desde o sertão nordestino até os subúrbios
cariocas. Não por acaso, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, entre
outros, souberam expressar sua insatisfação mediante as mazelas que
corrompiam a sociedade daquela época – de um lado o progresso industrial
oriundo da expansão do capitalismo, de outro a massa dos excluídos,
formada pela classe operária que, cada vez mais organizada, realizava
intensas greves.
Nesse clima de euforia, imbuídos no propósito de operar mudanças,
sobretudo influenciados pelos movimentos vanguardistas, é que os
artistas expressaram seus posicionamentos ideológicos por meio de suas
criações, seja na pintura, música, escultura, literatura, entre outras
formas de arte. Nesse sentido, vejamos os dados biográficos inerentes a
alguns deles, a começar por:
Di Cavalcanti
Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, filho de Frederico Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Rosalia de Sena,
nasceu em 1897, no Rio de Janeiro, e faleceu em 1976 naquela mesma cidade. Seu talento artístico começara em 1908, em São Cristóvão, bairro de classe média para o qual a família se mudara.
nasceu em 1897, no Rio de Janeiro, e faleceu em 1976 naquela mesma cidade. Seu talento artístico começara em 1908, em São Cristóvão, bairro de classe média para o qual a família se mudara.
Anos mais tarde, em 1914, iniciou sua carreira de caricaturista. Em
1916, matriculou-se na escola Livre de Direito, mudando-se para São
Paulo e levando consigo uma carta de Olavo Bilac para o jornalista
Nestor Rangel Pestana, crítico de arte do Estadão. Com isso, empregou-se
como arquivista no jornal O Estado de São Paulo.
Di Cavalcanti foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna,
participando da criação dos catálogos e dos programas, além de ter
exposto doze pinturas. Entre sua vasta obra, podemos citar:
Viagem da Minha Vida – O Testamento da Alvorada (1955) e Reminiscências Líricas de um Perfeito Carioca (1964).
Ilustrou numerosos livros, entre os quais: Carnaval, de Manuel
Bandeira, 1919; Losango Cáqui, de Mario de Andrade, 1926; A Noite na
Taverna e Macário, de Alvares de Azevedo, 1941; etc.
Executou murais em Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo e editou álbuns de gravuras, tais como Lapa, xilogravuras, 1956; Cinco Serigrafias, 1969 e Sete Flores, com texto de Carlos Drummond de Andrade, 1969.
Ismael Nery
Ismael Nery nasceu em Belém do Pará em 1900 e faleceu em 1934 na cidade
do Rio de Janeiro. Esse artista não defendia a ideia de nacionalidade
como os artistas de sua época; ao contrário, estendia sua expressão
artística em seu sentido mais amplo, entrelaçando todas as correntes de
pensamento. Sua carreira como pintor não lhe rendeu o merecido
reconhecimento por parte do público, uma vez que não chegou a vender
mais que uma centena de quadros, expostos somente em dois eventos. Ao
contrário de sua produção enquanto desenhista, que, segundo a opinião de
especialistas, era melhor que sua pintura.
Costuma-se dividir a obra desse nobre artista em três vertentes: a
expressionista, indo de 1922 a 1923; a cubista, de 1924 a 1927, sob
forte influência de Pablo Picasso; e a Surrealista, demarcada de 1927 a
1934, sua fase mais importante e promissora.
Lasar Segal
Lasar Segal nasceu em 21 de julho de 1891, na cidade de Vilna, capital
da Lituânia. Faleceu em 2 de agosto de 1957 na cidade de São Paulo,
deixando um vasto acervo que enfatiza não somente a beleza, mas
sobretudo a miséria que presenciara durante toda sua jornada. Para Segal
a pintura estática não lhe satisfazia, haja vista que nela era preciso
fazer algumas distorções de modo a retratar a realidade – propósito esse
que o levou a aproximar-se do Expressionismo. Depois de rápida estada
na Holanda, partiu para o Brasil, onde organizou duas exposições: uma em
São Paulo e outra em Campinas.
Mais que um pintor, considerado também como um verdadeiro sociólogo,
Lasar Segal tinha obsessão pelo ser humano e, por meio dos pincéis,
retratou os problemas brasileiros, revelados por cenas familiares, dando
ênfase ao interior pobre das casas, bem como aos rostos sofridos de
seus habitantes. Cenas essas que retratavam o conformismo de uma
sociedade considerada imutável.
Assim sendo, utilizava em suas obras não somente óleo sobre tela, mas
também processos de gravura que aprendera na Rússia, tais como a
litogravura e a zincografia, os quais conferiam à sua arte um caráter
puramente versátil.
Atingido por um ataque fulminante, veio a falecer. Contudo, sua vasta
obra permaneceu viva, por meio de um acervo com 2500 obras, local onde
funciona uma Biblioteca organizada por sua mulher – escritora e
tradutora.
Milton Dacosta
Milton Dacosta nasceu em 1915, em Niterói, no estado do Rio de Janeiro,
e faleceu em 1988, na cidade do Rio de Janeiro. Aos 14 anos conheceu
Augusto Hantz, um professor alemão com quem teve as primeiras aulas de
desenho, matriculando-se no ano seguinte na Escola de Belas Artes,
frequentando o curso livre ministrado por Augusto José Marques Júnior.
Em 1936, após realizar uma mostra individual, Dacosta se sentiu
motivado a se inscrever no Salão Nacional de Belas Artes. Ao expor seus
trabalhos, recebeu menção honrosa, ganhando medalha de bronze e prata.
Em 1944 recebeu o cobiçado prêmio de uma viagem ao exterior, viajando em
1945 para os Estados Unidos ao lado da pintora Djanira, e de lá seguiu
para Paris, onde permaneceu por dois anos.
A pintura desse artista, evoluída aos poucos, atingiu grandes
patamares. Primeiramente se identificou com o Impressionismo, indo
sequencialmente para o Expressionismo, Cubismo, Concretismo, e voltando
para o Cubismo novamente, por opção definitiva. Casou-se em 1949 com a
também pintora Maria Leontina, cuja união perdurou por 37 anos. Juntos
participaram de Bienais, viajaram para o exterior para cursos de
aperfeiçoamento, e juntos cresceram na missão de tornar o mundo ainda
mais belo por meio de seus trabalhos.
Tarsila do Amaral
Tarsila do Amaral nasceu em Capivari, no estado de São Paulo, em 1886 e
faleceu em 1973, na cidade de São Paulo. Em 1916 começou sua vida
artística por acaso, quando aprendeu modelagem com Zadig e Mantovani. No
ano seguinte, motivada por grande interesse pela pintura, Tarsila
começou a ter aulas com Pedro Alexandrino e, em 1920, viajou para Paris,
onde se matriculou na Academia Julian. Retornou a São Paulo em 1922,
sob um clima de mudança artística e cultural. Mediante seu reencontro
com Anita, resolveram se juntar a Mário de Andrade, Oswald de Andrade e
Menotti del Picchia e fundar o chamado grupo dos cinco, procurando
manter viva a intenção proposta pela Semana de 22.
No final da década de 1920, Tarsila criou os movimentos Pau-brasil e
Antropofágico, ambos defendendo a ideia de que o artista deveria sim
conhecer bem a arte europeia, contudo deveria criar uma estética
genuinamente brasileira.
Ainda em 1923 retornou à Europa, onde manteve contato com diferentes
artistas ligados ao movimento modernista europeu. No ano de 1926,
casou-se com Oswald de Andrade, vindo a se separar em 1930. Entre 1920 e
1930 pintou suas obras de maior valor cultural, as quais lhe conceberam
grande reconhecimento no mundo das artes: Abaporu (1928) e Operários
(1933). Entre os elementos que refletiram em sua temática artística
podemos citar o uso de cores vivas, a abordagem de temas sociais e
cotidianos e paisagens brasileiras, o uso de formas geométricas
(influência cubista) e uso de uma estética considerada fora do padrão
(influência surrealista na fase antropofágica).
Veio a falecer em 1973, em São Paulo, deixando uma vastíssima obra que
lhe concedeu o título de uma das maiores figuras artísticas brasileiras
de todos os tempos.
Anita Malfatti
Anita Catarina Malfatti nasceu em 2 de dezembro de 1889, em São Paulo.
Filha de Samuel Malfatti e de Elisabete, era pintora, desenhista e
falava vários idiomas, o que lhe rendia uma habilidade cultural vasta.
Chegando a Berlim, em setembro de 1910, começou a tomar aulas
particulares no ateliê de Fritz Burger, matriculando-se um ano depois na
Academia Real de Belas-Artes. Em 1916 retornou ao Brasil, já com 27
anos, disposta a expressar toda sua arte, especialmente voltada para o
Expressionismo.
Assim, por meio de influências de seus amigos modernistas, em especial
por Di Cavalcanti, Anita decidiu locar uma das dependências do Mappin
Stores e realizar uma única apresentação de seus trabalhos, em 12 de
dezembro de 1917.
O que não sabia era que o destino, de forma irônica, lhe reservara um
grande infortúnio. Monteiro Lobato, por meio de seu artigo Paranoia ou mistificação,
criticou a duras penas o trabalho da artista. Tal intento não era
destinado a ela em especial, mas aos modernistas propriamente ditos. O
fato lhe abalou profundamente e a fez carregar pelo resto de sua vida um
sentimento de total descontentamento frente às coisas que a rodeavam.
Seu primeiro instinto foi o de abandonar de vez a arte, contudo passou a
tomar aulas com o mestre Pedro Alexandrino, fato que lhes concedeu uma
proveitosa e duradoura amizade.
Motivada por amigos, resolveu participar da Semana de Arte Moderna de
1922 e, no ano seguinte, viajou para Paris, munida de uma bolsa de
estudos, onde encontrou Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Vitor
Brecheret e Di Cavalcanti. Retornou depois de algum tempo ao solo
brasileiro, já com a confiança recuperada, no entanto não estava mais
disposta em se aventurar em novas “investidas culturais”.
Anita veio a falecer em 6 de novembro de 1964 em Diadema, estado de São
Paulo, local em que morava com sua irmã Georgina, em uma chácara.
LEILA KIYOMURA (JORNAL DA USP)
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